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O problema de ter bons investimentos em crédito privado com liquidez!


Por Marcos Fritzen*,
em 22/04/2020

Temos visto nesta crise, especialmente a partir de março, uma desvalorização em massa de ativos de crédito (Letras Financeiras de Bancos, Debênture), que nunca ocorreu no Brasil, nem em 2008.

Utilizando o Índice de debêntures da ANBIMA como referência, divulgado desde 2009, ou seja, depois do pior da crise de 2008, sem dúvida este é o pior momento, já que as debêntures atreladas ao CDI desvalorizaram 5,7% no ano, até 09/04. Não temos muitos dados para comparar o que ocorre agora com o que ocorreu em 2008 ou em 2002. Ainda não existia, por exemplo, o Índice de Debêntures da ANBIMA, única proxy é a memória.

Lembro da crise da eleição de 2002. Logo depois da introdução da marcação a mercado dos fundos de renda fixa, em maio daquele ano, houve uma desvalorização relevante no mercado de Letras Financeiras do Tesouro (LFT), títulos pós-fixados do Governo Federal – hoje conhecidas no Tesouro Direto como Tesouro SELIC. Naquela época, comprar LFT com vencimento de 2 ou 3 anos era um risco altíssimo. Comprar crédito privado se resumia a comprar CDB de banco grande. Debênture era um mercado muito pequeno. LCI/LCA/CRI/CRA/FIDC eram seres que nem existiam. Podiam até existir alguns no papel, mas não saiam dele.

Na época, algumas LFTs desvalorizaram muito. Várias chegaram a sair de remuneração próxima a 101% da SELIC para 120 a 130% da SELIC (movimento visto hoje nas taxas de emissões de grandes bancos). A venda de LFTs era generalizada. A maioria delas pertenciam a fundos de grandes bancos, vendidos no varejo (ou seja, os donos eram pessoas físicas). Formou-se um ciclo vicioso: desvaloriza o preço > investidor fica apavorado > resgata dinheiro do fundo > gestor tem que vender rápido pra fazer caixa > desvaloriza mais o preço > investidor fica mais apavorado > resgata mais dinheiro > gestor….. Lembro, à época, que a Votorantim Asset, uma asset basicamente com investidores de grande porte, começou a comprar tudo no mercado, para todos os fundos multimercado, renda fixa, etc. Resultado: a crise passou, veio a eleição, não aconteceu o cenário catastrófico e a Votorantim Asset passou de 2003 a 2006 colhendo os resultados daquelas compras. Seus fundos estiveram entre os melhores da indústria por alguns anos.

Na atual crise, as LFTs ainda não desvalorizaram. Estão lá, operando na faixa de 100% de SELIC.

Comparo o movimento atual, especialmente no mercado de Letras Financeiras de Bancos e de debêntures de primeira linha, ao movimento de 2002: estamos no meio de um ciclo vicioso. Claro que o risco de crédito aumentou e alguns ativos podem ter problemas de default. Mas, neste momento, com certeza o ciclo vicioso supera este risco. Vou dar um exemplo muito claro: enquanto uma debênture de Petrobras indexada ao CDI com vencimento em 2022 – ativo tipicamente de fundo de investimento – negocia com spread de crédito de pouco mais de 2%, a debênture incentivada da mesma empresa com vencimento em 2034 – mesmo emissor, só que agora negociado essencialmente por pessoas físicas – negocia com spread de crédito de 0,2%. NÃO FAZ SENTIDO!!!!!

O gestor vendedor, por sua vez, só consegue se desfazer no mercado dos bons ativos, por preços muito descontados. Os ativos piores ficam dentro da carteira, sem liquidez. Ocorre um mecanismo de seleção adversa e precificação adversa. Ou seja, o gestor vendedor faz caixa com os bons ativos e precisa torrar para vender, o que joga o seu preço para o patamar de preço de ativos de menor qualidade. Estes por sua vez, não tem liquidez no mercado para gerar uma precificação adequada. Acabam fazendo o papel de amortecedor da cota do fundo, o que é um contrassenso. Assim, acabam sofrendo mais os ativos que i) estão dentro de fundos de investimento e ii) que tem boa qualidade de crédito. Justamente porque tem liquidez no mercado!

Existem ainda aqueles fundos de crédito que não estão sofrendo resgates, mas têm estes bons ativos na carteira. Estes fundos também estão com desempenho ruim, pois estão reconhecendo os preços de mercado. Mas estes, em breve voltarão a ter retornos interessantes, pois não precisaram se desfazer dos bons investimentos.

Neste cenário, interessante observar que aqueles ativos detidos diretamente por pessoas físicas, especialmente os ativos isentos de IR, como debêntures incentivadas, LCI, LCA, CRI e CRA, estão, aparentemente, com quedas mais tranquilas do que as debêntures e letras financeiras dentro dos fundos. Novamente, um contrassenso!  Isto porque não há movimento maciço de venda destes ativos, já que o investidor não tem a informação de quanto vale no mercado o seu ativo. Logo, ele não vê a queda do preço assim como vê a queda da cota de um fundo. Portanto, não tem o instinto imediato de vender para se proteger.

Enfim, ficam algumas lições desta crise:

 

  • Se você precisa de liquidez para parte do seu dinheiro, não use fundos de crédito privado (aqueles que tem mais de 50% da sua composição em Debentures, LFs, FIDCs, etc). Compre títulos públicos pós-fixados, ou fundos com a maior parcela do dinheiro alocado nestes ativos. E, de preferência, com vencimento de curto e médio prazo.
  • Se for comprar crédito privado e tiver uma boa capacidade de análise e originação, fique à vontade para fazer sozinho. Se não tiver, prefira fazer isto através de fundos. E, neste caso, invista em fundos que tenham menos liquidez (isto mesmo!), para que em crises o seu fundo não seja utilizado como caixa. Entre estas opções, prefira fundos com resgate em D+15, D+30. Ou mesmo fundos fechados. Você sabe que não receberá o dinheiro antes do vencimento, portanto já bota na conta que esta parcela do seu patrimônio está sem liquidez. Porém, você não ficará a mercê do ciclo vicioso de resgates, já que estes não ocorrem. Você simplesmente correrá o risco de crédito, que na verdade é o risco que você comprou quando investiu num produto de crédito.

Uma boa maneira de investir, por exemplo, em CRIs, é através dos Fundos Imobiliários. Estes fundos conciliam algumas coisas interessantes: i) o gestor tem um passivo estável, podendo concentrar-se somente na gestão do crédito; ii) via de regra o gestor só abre uma nova captação se possui oportunidades de investimento interessantes em vista e iii) o investidor tem liquidez do seu investimento, já que se precisar do dinheiro investido pode vender suas cotas para outro investidor via bolsa, claro, a preços que o novo investidor estiver disposto a pagar. Mas isto é apenas o justo, nada além disto!

Fica claro que o investimento em Crédito Privado não é trivial como parecia para muitos investidores, requer muito conhecimento e experiência para fazer bons investimentos nesta estratégia. Sendo assim, procure sempre um profissional que esteja ao seu lado para lhe auxiliar em seus investimentos.

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